quinta-feira, 31 de maio de 2007

Educação a Distância: em que ponto estamos?

Encontro de especialistas levanta os principais desafios da EAD no Brasil

Lorenzo Aldé
30/10/2003

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Quem não se lembra dos anúncios do Instituto Universal Brasileiro (IUB), que vinham encartados nas revistas, oferecendo cursos por correspondência em várias áreas? Mecânica, eletrônica, corte e costura, contabilidade, fotografia... era curso que não acabava mais. E o Projeto Minerva? Era só deixar o rádio ligado depois da Voz do Brasil que se ouvia a transmissão de cursos a distância para a formação no nível básico de ensino, um projeto do governo militar que também contava com apostilas impressas.

Assim funcionava a Educação a Distância (EAD) no Brasil até a década de 70: via correspondência e rádio. Hoje, pouco mais de 30 anos depois, o Instituto Universal Brasileiro já oferece cursos on-line! Bom exemplo de como as coisas evoluíram.

Uma breve retrospectiva: de 1970 até hoje, a TV se disseminou — e com ela os telecursos —, o videocassete surgiu — multiplicando o acesso aos conteúdos —, depois o fax, e, finalmente, há pouquíssimo tempo, o computador e a Internet se consolidaram como meios educativos. Na história da EAD, ao contrário de outras áreas, cada nova tecnologia não descarta as anteriores, pelo contrário: os diversos recursos se complementam. O rádio continua sendo o principal meio de comunicação em regiões de difícil deslocamento. O telefone aproxima alunos e professores, facilitando a solução de dúvidas que não podem esperar. E ainda não inventaram nada mais concreto e permanente que o material impresso, que pode ser levado para qualquer lugar, não depende de eletricidade nem linha telefônica. Tudo isso ao lado das mais modernas invenções de interatividade que a tecnologia digital propicia: e-mail, fórum, chat, teleconferência etc. Desse enorme leque de possibilidades surge a pedagogia da EAD atual, às voltas com novos desafios:

- Como consolidar modelos de EAD compatíveis com a realidade e as necessidades nacionais, e que possam alcançar o amplo público que demanda educação gratuita e de qualidade?
- Como enfrentar a situação de carência socioeconômica dos alunos, habilitando-os para acessar os recursos mais eficazes de aprendizagem?
- Como auxiliar os educadores a desenvolver estratégias pedagógicas mediadas pelas novas tecnologias?
- Que características devem ter os materiais pedagógicos, valendo-se das especificidades das novas mídias? Quais os formatos mais adequados para cada situação?
- Até que ponto podemos ser flexíveis, dando autonomia aos alunos sem perder o controle do processo?
- Como recuperar o tempo perdido para consolidar a EAD como uma modalidade de ensino público viável, eficiente e democrática?

Em que ponto estamos, afinal? Um bom panorama do que atualmente mobiliza a EAD no Brasil foi apresentado em seminário promovido pelo jornal O Globo, em parceria com o MEC, no dia 23 de outubro último.


Governo diz que EAD é prioridade

O Brasil tem hoje 54.757 alunos fazendo curso superior na modalidade a distância. Para saber se isto é muito ou pouco, basta tomar como parâmetro a maior universidade a distância do mundo: na Índia, a Indira Gandhi National Open University, tem 1,5 milhão de alunos!

Deve-se considerar, também, que esses 54.757 alunos dividem-se em 24 cursos, mas a grande maioria (44.174 alunos) faz Pedagogia. Ou seja, em EAD, o Brasil está muito atrasado. Destaca-se, nesse cenário, o Consórcio CEDERJ (Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro), projeto pioneiro em cursos de graduação a distância de universidades públicas. Lançado em 1999, hoje oferece quatro cursos de graduação (Matemática, Biologia, Física e Pedagogia para as séries iniciais) em diversos pólos no interior do Estado. A experiência do CEDERJ vem sendo atentamente observada, pelo seu ineditismo, para inspirar a construção de propostas nacionais de EAD pública no nível superior, uma das prioridade do Governo Federal, segundo João Carlos Teatini, secretário de Educação a Distância do MEC.

Teatini afirmou que o propósito do ministro Cristóvam Buarque é "fazer uma escola do tamanho do Brasil". E sem investimento em Educação a Distância, completou o próprio Teatini, isso seria impossível. O plano do MEC é constituir uma fundação ou autarquia federal especialmente voltada à promoção da EAD de nível superior. Teatini ressaltou ainda, como ações estratégicas, a colaboração entre regiões, via consórcios regionais de universidades. Como exemplo, o secretário citou os materiais de Matemática do CEDERJ, que vêm sendo utilizados em cursos das Universidades Federais do Pará e do Ceará. Para 2004, o MEC promete oferecer um curso nacional de tutoria, com o objetivo de formar 5 mil tutores em EAD. O secretário defendeu como modelo a seguir seguido a Educação Combinada, com atividades presenciais e a distância. Este parece ser um consenso entre os educadores: dispor dos diversos meios e recursos para facilitar o acesso dos alunos ao conhecimento. A questão é: como fazê-lo?

Um dos principais obstáculos é a exclusão tecnológica da população brasileira, que atinge não apenas os alunos mas também os professores. Por isso, além da graduação a distância, é preciso investir na formação permanente de educadores para a utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) em sala de aula.

Mesmo considerando a desigualdade social brasileira, que retarda ainda mais esse processo, é bom ressalvar que quando se trata de novas tecnologias, parece que o mundo inteiro está aprendendo. Mesmo nos Estados Unidos, onde nasceu a Internet, a EAD com recursos pedagógicos on-line se expande ainda lentamente. São tecnologias muito recentes, que não existiam em quase lugar nenhum até 10 anos atrás, e apenas há uns 5 anos vêm influenciando mais fortemente a educação e diversas áreas da comunicação. O desafio consiste, portanto, em pensar novas metodologias educativas, que aproveitem a fantástica potencialidade da Internet em termos de interatividade, acesso aos conteúdos e autonomia dos alunos, e que propiciem a formação dos alunos e professores para utilizarem as TICs em suas práticas pedagógicas. Isso implica em conquistar novos formatos para compartilhar e construir conteúdos. Não basta transpor o conteúdo de apostilas e livros impressos para a Internet. O conteúdo deve ser concebido já levando em conta as especificidades da mídia: menos texto, maior interatividade, possibilidade de exploração não-linear dos conteúdos, mais imagens, fotos, vídeo, oportunidades de trabalho conjunto entre os alunos, a abertura de um novo universo de pesquisa etc.

Em resumo: os pressupostos para o início de uma formação a distância não se restringem mais a uma formação básica no conteúdo a ser abordado, referem-se também ao domínio das TICs. Uma vez que a pedagogia a distância ancora-se em recursos e interações mediados pelas TICs, o aluno só poderá efetivar sua formação a contento se estiver familiarizado com os recursos tecnológicos.

Esbarramos, então, na escassez de recursos da educação nacional, em todos os seus níveis. No encontro promovido pelo jornal O Globo, o diretor do Programa Nacional de Informática na Educação (Pro-Info), do MEC, Américo Bernardes, comentou a situação atual das escolas brasileiras em relação ao acesso às tecnologias, lançando uma questão que toca na ferida: "Como se inaugura o futuro no país do passado?". A exclusão social, a desigualdade de renda e a diversidade cultural e mesmo geográfica do Brasil dificultam os planos de quem pretende transformar os paradigmas do ensino. É preciso criar novos cidadão, incentivar a criatividade e a inovação. Alguma dúvida de que só a Educação pode mudar o Brasil? (frase surrada, eu sei, mas fazer o quê?)

Nas escolas públicas brasileiras, há em média 120 alunos por computador. O ideal, segundo Américo, seria que cada 50 alunos tivessem acesso a um computador, o que garantiria ao menos duas horas semanais, por alunos, para usar o equipamento. Conquistar essa proporção custaria 3 bilhões de reais. Em época de "contingenciamento de recursos", parece um sonho distante. Mas o problema não é só quantidade. A maioria das escolas tem apenas um computador, e ele é usado para serviços administrativos, e não como ferramenta pedagógica. Não basta distribuir equipamentos, lembra Américo, é preciso inserir as TICs na práxis da escola, mudando o paradigma educacional. O que mais se vê por aí, segundo relatou o diretor do Pro-Info, são professores adaptando a tecnologia à rotina da escola, e não o contrário. Os computadores são recebidos sem que se inove a prática pedagógica. Por isso o Pro-Info cobra, das escolas que desejam aderir ao projeto para receber computadores, uma proposta de uso pedagógico das TICs. Participam do Pro-Info os 305 Núcleos de Tecnologia na Educação (NTEs) e 4.600 escolas, que receberam até agora 53.895 computadores, com 138 mil professores capacitados (além de 10.087 técnicos e 9.036 gestores), atingindo um universo de 6 milhões de alunos. A pergunta que fica é: está fazendo diferença?


Os outros participantes

Também participaram do encontro a professora Laura Maria Coutinho, da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), pólo Rio, que falou das origens da EAD no mundo e no Brasil, além da nossa situação atual (foram citados por ela os exemplos que abrem este artigo e os dados da situação atual da EAD no Brasil); Nelson Santoniere, Gerente de Teleducação da Fundação Roberto Marinho, que narrou a evoluaçào da EAD via televisão, do primeiro Telecurso (1978) ao Telecurso 2000, que desde 1995 já realizou 1.300 programas e conta com 22 mil telessalas em todo o país, levando a educação fundamental e média para grups até então excluídos; e André Pestana, consultor de Marketing do Colégio 24 horas, que falou dos Simulados em parceria com o jornal O Globo e de sistemas de avaliação On-Line que sua empresa oferece para escolas.

O secretário de Educação a Distância João Carlos Teatini desculpou-se por ter que sair mais cedo do debate. O motivo é emblemático da situação da EAD no Brasil: ele tinha uma reunião no BNDES, para pedir mais verbas para os projetos do MEC.

Espera-se que a propalada "prioridade" da EAD não fique apenas no discurso. Ou os futuros encontros como esse só servirão para abrigar lamentos sobre o tempo que continuamos perdendo.

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