Marcelo Franco
Assisti no mês passado uma palestra do professor Santiago C. Arredondo da UNED (Universidad Nacional de Educación a Distancia - Espanha), apresentada aqui no Centro de Computação da Unicamp.
Em uma boa parte da palestra o professor se dedicou a esclarecer conceitos e problemas da EAD. Não trouxe grandes novidades. Pude inclusive notar que essa parte da palestra aborreceu vários participantes, entre os quais alguns que vêm se dedicando já há algum tempo ao assunto, desde leituras, estudos, visitas, até ao desenvolvimento de projetos de EAD.
No entanto, a palestra se tornou bem interessante para aqueles que permaneceram até o fim, especialmente quando o professor Castilho passou a falar do projeto da UNED.
Arriscando-me a esquematizar demasiadamente a fala do professor, entendo que o projeto da UNED se divide em duas partes: o projeto “Pedagógico” e o projeto de “Meios Didáticos”. Antes que eu me esqueça, a UNED só oferece cursos a distância.
O projeto pedagógico se centra na questão do que e a quem a UNED deseja respectivamente oferecer e atender, com relação a educação. Segundo ele, a UNED visa atingir um vasto público distribuído por toda a Espanha (oferece também cursos em outros países), inclusive atendendo as classes menos favorecidas, ou de regiões sem Universidades, ou que trabalham / sustentam as famílias, ou pessoas que não tiveram oportunidade de fazer um curso superior quando mais jovens, etc.
Outras informações interessantes são que as exigências dos cursos são as mesmas dos cursos presenciais na Espanha, os alunos se submetem a um exame de seleção que os habilitam a seguir os cursos, é cobrada uma taxa de matrícula (hoje cobre cerca de 40% das despesas da Universidade, o restante é repassado pelo estado). Ou seja, a UNED é pública e paga.
Outros números: a UNED tem cerca de 150.000 alunos, e não me lembro bem, cerca de 1000 ou 2000 professores permanentes (mais ou menos o quadro da Unicamp). Existem outro tipo de professores, auxiliares, que ficam espalhados pela Espanha, e são os tutores dos alunos. Pelo que entendi, a sede da UNED em Madri é um grande campus sem salas de aula. Os professores permanentes não dão aulas, não têm horário fixo de trabalho, nem têm contato com os alunos. Eles preparam os cursos. Quem tem contato com os alunos são os tutores. Não sei se a UNED faz pesquisa.
Em um primeiro momento me ocorreu o tamanho da distância que separa uma Universidade como a UNED e a Unicamp, onde trabalho e conheço melhor, principalmente com relação a quantidade de alunos. Mas depois comecei a observar que o fato desse modelo ser tão alternativo ao da Unicamp, com seus 20.000 alunos presenciais, que provavelmente isto tem pouco a ver com eficiência, mas com uma grande diferença. Ao contrário da UNED, a Unicamp é muito mais voltada para a pesquisa e a pós-graduação e dá muito mais importância a qualidade do que a quantidade. Para quem conhece a Unicamp, ou mesmo outras Universidades Públicas no Brasil,fica complicado pensar o que significa ensinar para 150.000 alunos de graduação com a mesmo esquema e qualidade dos cursos presenciais.
Lembrei-me que meu curso de graduação tinha 25 vagas (há 20 anos atrás na UnB). Com certeza a tradição da Unicamp tem pouco a ver com o ensino de massa, nem sei se é razoável abrir mão da posição de destaque que ela ocupa. Mas eu fiquei me questionando quem irá ocupar em São Paulo (ou mesmo no Brasil) o espaço aberto pela crescente demanda por vagas. Esta demanda exige uma expansão da oferta de educação. Também dúvida minha é se a Universidade Pública não tem nada a ver com a educação de massa.
Ela pode não perder a legitimidade se ficar apenas com uma educação de qualidade, de elite, enquanto a educação superior de massa é oferecida pelo ensino privado e pago, que está atendendo o grande público? Pelo que entendi, na Espanha acham que sim, que o Estado deve oferecer esse serviço, do mesmo modo que aqui se procurou suprir toda a demanda (em massa) do ensino fundamental e médio. Nas Instituições de Ensino superior Privadas (já ouvi isso também na Unicamp) estão a falar que a mesma inversão que ocorreu no ensino fundamental e médio irá acontecer com o ensino público superior. Este é tido como financeiramente falido e sem capacidade de recuperação e expansão. Segundo esse raciocínio, as Universidades Públicas atenderão o grande público com uma educação de massa e o privado oferecerá algo de melhor qualidade às classes mais favorecidas. Se essa for mesmo a diretriz do Governo Federal, o modelo da UNED não deve ser prontamente descartado, pois pode vir a ser bastante proveitoso e adequado.
O projeto pedagógico da UNED causou-me o desconforto que tentei expor anteriormente, pois esse modelo é quase oposto à proposta de qualidade da “tradição” da Universidade Pública no Brasil. No entanto, o projeto dos “Meios Didáticos” me deixou ainda mais atônito. Ao contrário do que costumamos ouvir aqui, a UNED privilegia os meios tradicionais de EAD: texto, livros, rádio, etc.
Pelo que compreendi, não porque não saibam ou não tenham competência para usar recursos de informática, mas por coerência com o projeto “Pedagógico”. Eles inclusive têm um site onde alunos com recursos podem pegar os materiais do curso.
Segundo o professor Santiago, não preparam material que necessite de computador porque somente uma minoria do público que eles atendem possui computador, e muito menos ainda acesso à Internet. Como exemplo, ele afirmou que um CDRom pode ser até barato para o aluno, mas outra coisa é o que o aluno deve gastar para poder ler esse CD. Para os padrões da Espanha, é caro para o aluno manter um computador atualizado, principalmente pela necessidade de acompanhar as mudanças tecnológicas, segundo ele, direcionada pela indústria de computadores e de software, para aumentar seus ganhos.
Não é difícil entender como isso me deixou surpreso sabendo que a idéia que temos por aqui de EAD é sempre com a utilização das “mais novas” tecnologias de comunicação e informação, sendo que no mundo inteiro usam recursos tradicionais. E dentro desse “mundo inteiro” cito além da Espanha, o Canadá, a Austrália, a Índia, a China, como estou informado.
Quero deixar claro que o meu entendimento das palavras do professor Santiago não é uma apologia dos meios tradicionais de EAD em detrimento de recursos informatizados, ou que eu seja contra o uso das mais novas tecnologias na educação. Muito pelo contrário, depois de passar anos trabalhando com informática em uma Universidade com tantos recursos tecnológicos como a Unicamp, os recursos tradicionais da Educação também parecem para mim algo anacrônicos. Mas pelo que se vê não são obsoletos no primeiro mundo.
Dessa forma, aproveitando as informações do professor Santiago, parece que há algo errado quando se pensa que utilizar as mais novas tecnologias é algo simples, barato, e que todos têm acesso a elas.
Assim, a título de especulação, gostaria de lembrar que o problema do uso de novas tecnologias na EAD não parece estar localizado apenas na ponta do aluno, como ele afirma. Entendo que a infraestrutura necessária na Universidade para criar e manter recursos sofisticados – se essa for a direção tomada - também será muito dispendiosa, pois se sabe que a criação de um curso a distância exige muito mais tempo e esforço do que um curso presencial. Ela exige recursos técnicos e humanos caros e não sei se a Universidade Pública no Brasil possui esses recursos agora.
Não tenho nenhuma informação de alto nível, mas também gostaria de lembrar que antes de pensar em usar a Internet como meio para a EAD, como é pensado imediatamente quando se fala nesta questão, a Universidade Pública no Brasil tem que resolver um problema que perdura há algum tempo: estar sintonizada com a mesma tecnologia usada fora dela. Pois hoje a situação parece que se inverteu, os estudantes não tem acesso no campus o que as pessoas usam nas empresas e muitas vezes têm até nas suas casas. Dessa forma, hoje a implementação de um projeto de EAD pode levantar problemas cujas soluções podem não ser só operacionais, mas também de ordem financeira.
No entanto, quando muitas vezes ouço falar de EAD na Universidade Pública, fica parecendo que é mais um problema de vontade e voluntarismo. O que cada um fizer já é alguma coisa e quem for atendido já é algum público. O que sinto falta na Universidade Pública brasileira é algo com a clareza do projeto pedagógico da UNED, algo que permita ou oriente as pessoas a trabalharem em conjunto, concentrando os recursos disponíveis, no lugar de ficarem dando tiros às cegas, ou pior, ficarem muitas vezes atirando uns contra os outros.
Disponível: www.folha.com.br
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